Por: Stanley Jenson, o Tipógrafo (pseudônimo de Annie Miller Slowli)
PREFÁCIO: Seguem-se os relatos de Stanley Jenson, um tipógrafo interessado em saber sobre tudo e todos no Festieval Medieval de Hogsmeade. A proposta do evento, organizado pelo Ministério da Magia, é de que todos os seus visitantes incorporem e se vistam de acordo com alguma classe relativa à Idade Média (bardos, mineradores, arqueiros, etc) que escolherem. Nos quase 30 dias de duração do festival, ocorrem diversas atrações, para todos os gostos. O vilarejo foi dividido em seis reinos, cada um sendo a morada de diferentes classes, pelos quais Stanley teve acesso livre de circulação por ser parte da imprensa; que, aliás, teve seu surgimento no Mundo Trouxa nesse período da História. O tipógrafo registra abaixo os lugares que visitou, as atrações variadas e os flagrantes presenciados por ele no festival, que ainda acontece em Hogsmeade nos próximos dias.
→ 6hrs, dia 18/12 – TAVERNA TRÊS VASSOURAS, no Território Neutro: Não demorou para que o Nôitibus vindo de Londres estacionasse no início da Rua Principal de Hogsmeade, na fria e cinzenta manhã do primeiro dia do Festival Medieval. O vilarejo, transformado em um território neutro por onde todas as raças podem transitar, recebia seus primeiros visitantes. Stanley Jenson, assim como a maior parte dos demais passageiros do Nôitibus, dirigiram-se para a tenda que abrigava a Taverna Três Vassouras. Não foram os únicos, pois no local estava a maior parte das pessoas que chegaram para o Festival. O café da manhã tinha acabado de começar a ser servido, mas não pense que alguém ali se limitaria a comer cereais e ovos mexidos ou a beber chá verde. Bárbaros e caçadores devoravam porcos assados no espeto e pediam à garçonete anã seguidos copos de cerveja medieval. Stanley solicitou uma porção de lembas élficas e uma dose de sangria. Quando seu pedido chegou e a garçonete elfa já se virou para atender outro cliente, visto que o estabelecimento estava cheio, um mago sentado ao lado do tipógrafo sorrateiramente dirigiu-se para a porta de saída. Com um berro que calou o vozerio dentro do local, um barman pulou na frente do homem velhaco e ordenou que ele pagasse a comida que tinha “comprado”. Diante da segunda tentativa de escapar, o barman juntou suas mãos pesadas no pescoço do mago. Princesas e camponesas gritaram de susto. Imediatamente, dois justiceiros antes ocultos em meio à multidão separaram os desordeiros e conduziram o mago para fora dali, em direção ao calabouço. Foi apenas o primeiro de muitos episódios ocorridos no Festival Medieval.
→ 7hrs, dia 24/12 – MERCADO, no Território Neutro: Seria provavelmente o dia mais visitado do festival. Esparsos flocos de gelo caíam do céu, e ao longe as torres de Hogwarts, onde mais tarde aconteceria a ceia de véspera de Natal para os alunos que optaram por permanecer no Castelo, mostravam sua brancura. As muitas barracas do mercado do festival expunham produtos diversos, desde vegetais exóticos até doces mágicos. Mercadores com longas vestes de tecido grosso e colorido enchiam de sicles suas caixas registradoras. Crianças fitavam alucinadas as pequenas matrioskas de Papai Noel que magicamente pulavam de um trenó a outro, puxados por renas de madeira que voavam pela tenda de souvenires, deixando um rastro brilhante no ar por onde passavam. O local de maior movimento era uma venda de bolos e chocolate quente. Raças e classes deixavam seus conflitos de lado para saborear os fartos pedaços de bolo de caldeirão, recheados generosamente pelo creme do sabor escolhido. Comumente podia-se deparar com ladinos esbarrando nas pessoas com intenção de roubá-las sem que as vítimas percebessem.
→ 8hrs, dia 24/12 – CORAL DOS SEREIANOS, no caís escondido do lago do Bosque das Luzes: Stanley Jenson, o Tipógrafo, atravessou medrosamente o denso arboredo do Bosque das Luzes. Apesar de ser manhã, o dia enevoado e a copa das árvores não permitiam uma iluminação adequada das trilhas por onde passava. Receando ser abordado por um centauro, não demorou para chegar às margens do Lago Negro. Piratas chegavam para o festival, descendo de seus barcos precários. Algumas fadas, um grupo de arqueiras e um casal de curandeiros aguardavam o coral dos sereianos, prestes a começar. Subitamente, uma criatura feia de cabelos verdes em gomos, olhos amarelados raivosos e pele cinza e enrugada colocou sua cabeça para fora d’água com grito mortal. Atrás dela, duas outras saltaram em sintonia, afundaram na água novamente e emergiram ao lado da primeira. Antes de darem início à canção, as fadas já tinham desaparecido em direção à floresta. A música, cantada na língua nativa dos sereianos, o serêiaco, tinha como início gritos alternados e cada vez mais altos. O casal de curandeiros levantou-se da pedra onde tinham se acomodado e saíram tapando os ouvidos com as mãos. Mais oito sereianos sugiram da água quando as três primeiras submergiram para recuperar o fôlego. Urravam de forma estridente e áspera, dando a impressão de que a canção era sobre espetar invasores e devorar peixes dilátex. As arqueiras fizeram reclamações entre si e voltaram para a floresta, espetando flechas em troncos aleatoriamente. Stanley ficou sozinho assistindo à cantoria, pressentindo que os olhares mordazes dos sereianos se dirigiam a ele. Até queria visitar o Navio Pirata, e quem sabe sair dele com um baú de tesouros em mãos, mas não com aquele “espetáculo de horrores” diante de si. Virou-se rapidamente e cambaleou até trilha do bosque, com a canção ainda perturbando sua cabeça.
→ 9hrs, dia 24/12– ARCO E FLECHA PARA INICIANTES, no Centro de Arquearia da Cidade dos Elfos: Numa parte mais tranquila da floresta, localizava-se a adorável Cidade dos Elfos. Se alguém arranjasse algum problema, teria que lidar com estátuas de mármore encantadas e nada amigáveis. O Centro de Arquearia não era uma construção, mas sim um espaço aberto na floresta reservado para essas atividades. Naquela véspera de Natal, uma quantidade significativa de alunos segurava suas aljavas, aguardando o início da aula. Stanley não ousou participar. O instrutor, um elfo de vestes verdes e cabelos loiros presos num rabo de cavalo, demonstrou o passo-a-passo de como disparar uma flecha. Em seguida, separou a turma em dois e todos começaram a lançar flechas nos alvos dispostos nas árvores ao redor. Aparentemente, os cavaleiros e os ferreiros atiravam melhor que os próprios arqueiros, pelo menos naquela aula. Não foi à toa que um deles atirou uma flecha no pé de um príncipe, que começou a gritar e pular com uma perna só. O instrutor pegou então a flecha fincada nos pés dele e jogou-a para o lado. Na verdade, ela tinha parado exatamente entre dois dedos, sem machucar o príncipe. Rendeu-lhe apenas um furo no sapato, sem que fosse necessário conduzi-lo aos medibruxos da enfermaria da Cidade.
→ 10hrs, dia 25/12 – RUA DA INOCÊNCIA, no Território Neutro: Havia chegado o Dia de Natal. Uma rasa camada de neve cobria a Rua da Inocência, onde crianças de sorriso largo estampado no rosto costuravam roupinhas de gnomos a seu modo e pintavam presentes debaixo de árvores de Natal em pequenas molduras. Alguns pais ensinavam montaria às suas crianças e monitores instruíam amigos de cerca de 10 anos de idade que praticavam alegremente luta com espadas. A data comemorativa parecia ter deixado todos no vilarejo mais leves, e Stanley poderia apostar que até o Reino Sombrio não resistiria ao espírito natalino.
→ 11hrs, dia 25/12 – CAVERNAS DE MINERAÇÃO, na Montanha dos Anões: Não tão agradável quanto a floresta, as cavernas dos anões eram abafadas e um pouco sombrias. Os guardas, um pouco malignos especialmente com os elfos, tratados com muito sarcasmo por eles, abordavam todos os visitantes. Stanley Jenson embarcou numa expedição pelo local, iluminado por tochas. As pontes de madeira rangiam sempre que alguém passava por ela. Mineradores batiam suas picaretas nas paredes da caverna, na esperança de encontrar alguma pedra preciosa. Chegando ao final do passeio, todos os visitantes sentiam-se enfadonhos, pois não houve nenhuma novidade durante toda a caminhada. Como se isso não bastasse, na hora de deixar as cavernas, um grupo de anões se aproximou e bradou que todos seriam revistados para o caso de terem roubado alguma preciosidade. Seguraram Stanley por trás com um abraço, agarraram os braços de duas magas e tentaram intimidar uma caçadora. Esta última, porém, não deixou barato e chutou o peito de um dos anões, que caiu no chão e assim permaneceu. A mulher soltou um rugido tão medonho que o restante dos malfeitores correu de volta para a caverna. Stanley não esperou mais um segundo sequer para sair dali.
→ 15hrs, dia 25/12 – COMPETIÇÃO DE FEITIÇOS E ENCANTAMENTOS, na Sede da Ordem dos Magos do Reino dos Homens: A maioria das pessoas do vilarejo ainda descansava após comer um almoço abundante, mas nada impedia que os magos mais assíduos se dirigissem para uma competição de magia na Sede da Ordem dos Magos. A tenda tinha prateleiras preenchidas por coleções de feitiços e rituais mágicos, chamadas de grimórios, e todos os móveis e objetos dali eram bastante velhos. Enganava-se quem achava que a disputa seria acirrada; a maior parte dos participantes era de iniciantes. Os instrutores, de idade avançada, discursaram que venceria aquele que transformasse primeiro a pequena estátua dourada com forma de leão em outra com forma de águia e, em seguida, a transformasse numa estátua de vidro. Enquanto isso, os idosos preparariam a Aula de Mágica Avançada que aconteceria mais tarde. Não foi uma tarefa fácil para os competidores. Quando uma maga adolescente de cabelos castanhos presos a concluiu quase com perfeição, metade dos demais já tinha desistido e a outra metade deformou a estátua com formas e materiais irreconhecíveis. De uma delas saía uma fumaça preta e malcheirosa. A vencedora ganhou um livro antiquado chamado Um Guia para a Feitiçaria Medieval e, assim como outros curiosos e interessados por feitiçaria, passou mais um tempo analisando o vasto acervo da Sede da Ordem dos Magos.
→ 18hrs, dia 31/12 – Coro dos Fantasmas Melancólicos, no Calabouço do Território Neutro: Alguns bancos de madeira equipados com genuflexório estavam acomodados no calabouço para acomodar os espectadores do Coral dos Fantasmas Melancólicos, prestes a iniciar naquela Véspera de Ano-Novo. Estátuas encantadas que evitariam qualquer tentativa de crime se posicionavam em frente às paredes de pedra. Sem ninguém perceber sua chegada, fantasmas surgiram em um palco improvisado. Seu semblante era de angústia. Um deles tinha a cabeça afundada; provavelmente tinha sido morto por um forte golpe por trás. Outro era uma mulher sem um dos olhos e com um corte no pescoço. Stanley Janson levou a mão ao peito quando o coral começou a cantar a canção “Minha Vida É um Tormento”. Da mesma maneira que o canto dos sereianos incitava o pavor e o desespero, os fantasmas fazia seus ouvintes se sentirem à margem da morte e a penúria de viver. Uma camponesa parecia estar apreciando a música, gemendo e limpando suas lágrimas com um lenço preto como suas vestes. Quando a música acabou, um ladino conduzido por aurores atravessou o local e foi levado a uma das celas, onde ficaria preso até as 19hrs, quando todos os prisioneiros seriam soltos. A próxima canção foi “Não Acredito Que Morri!”. Suas notas eram tão agudas e insuportáveis que o tipógrafo, tomado por uma dor “inexistencialista”, saiu dali em busca de um lugar mais pacífico para se acomodar.
→ 20hrs, dia 31/12 – CONTEMPLAÇÃO DAS ESTRELAS COM CENTAUROS, no Bosque das Luzes: Mais tarde, Stanley foi até o bosque do festival, onde os visitantes poderiam contemplar as estrelas com os centauros. Em meio ao frio e à escuridão, era possível ver diversos pontinhos de luz pairando entre as árvores; eram as fadas. Temendo o ataque de alguma criatura, o tipógrafo caminhou próximo a um grupo de sacerdotes que também ia para a mesma clareira. Centauros fortes e de olhos brilhantes recepcionaram os visitantes, sem permitir que ficassem muito próximos. Felizmente as nuvens tinham se dissipado, revelando um céu apinhado de estrelas. Após todos recostarem-se, um dos centauros se apresentou como Iver e começou a falar das constelações, planetas e estrelas, indicando seus nomes e localizações. Stanley Janson viu o céu noturno embaçar e, deitado sobre a grama com resquícios de neve, caiu num cochilo profundo.
→ 22hrs, dia 31/12 – APRESENTAÇÃO DE BOBOS DA CORTE, no Salão dos Banquetes do Reino dos Homens: O salão estava lotado para aquela ceia, e não só por pessoas. Não havia espaços vazios nas mesas, pois tudo estava tomado por pratos que esbanjavam carnes inteiras, diversas receitas gordurosas, saladas exóticas e molhos coloridos. Não havia distinção entre prato principal e sobremesa. Garçons andavam de um lado para outro distribuindo bebidas. Mesmo que cheios, nobres, realeza, cavaleiros e camponeses ainda se empanturravam quando os bobos da corte começaram sua divertida apresentação. Seu uniforme chamativo tinha cores alegres e na cabeça vestiam chapéu arlequim com guizos barulhentos. Um dos bobos, um anão de cabelos longos, tocava trompete enquanto dançava de forma burlesca. Andaram entre os nobres, contando histórias engraçadas e dando apelido aos espectadores. Cada palavra que diziam arrancava gargalhadas da plateia. Mesmo quando recitavam poemas não tão engraçados, faziam a realeza explodir em risadas.
→ 00hrs, dia 01/01 – QUEIMA DE FOGOS, na Praça das Atrações do Reino dos Homens: Ansiosos pelo início do Ano Novo, os visitantes do festival concentraram-se na Praça das Atrações quando o relógio se aproximava da meia-noite. Piratas ainda seguravam copos de cerveja e comiam algum pedaço de carne que trouxeram da ceia. Alegres e sorridentes, todos começaram a contagem regressiva num coro jubiloso. Quando o ponteiro se alinhou, fogos de artifício de todas as cores tomaram conta do céu sem luar. Seu barulho abafou os gritos de felicitações e seu brilho iluminou os abraços na praça. Ao longe, Stanley Jenson, o Tipógrafo, pôde ver a Queima de Fogos Negros que acontecia no Reino Sombrio, território de orcs e trolls. Os fogos de artifício explodiam em formas fantasmagóricas, formando figuras assustadoras de monstros que se mesclavam à escuridão da noite. De volta à Praça das Atrações, os últimos foguetes projetaram uma mensagem de “Feliz Ano Novo” no céu. Dali, as pessoas se dirigiram de volta para o Salão dos Banquetes, onde festejariam em comunhão ao longo de toda a madrugada.