Por: Annie Miller Slowly
A partir de denúncias anônimas, dois bruxos, sendo um deles portador de deficiência física, foram resgatados no vilarejo Little Hangleton em um bar onde eram submetidos a condições degradantes de trabalho. A jornada era de cerca de 17 horas diárias quase ininterruptas, e o salário semanal, pago em conjunto aos dois, não passava de alguns sicles ou nuques. Eles eram responsáveis por todos os serviços do local, como limpeza de copos e preparo de bebidas; exceto o atendimento de clientes, para que não tivessem brecha para mencionar sua situação a alguém. Os proprietários do estabelecimento são irmãos de meia-idade que, segundo moradores locais, administram e recepcionam aquele bar há cerca de cinco anos. Foi ainda averiguado que as vítimas foram privadas de sua varinha mágicas pelos empregadores ainda no início de quando começaram a trabalhar para eles. Desde essa época, o aposento destinado a elas não passava de um cômodo vazio onde eram trancadas à noite e dormiam, mantendo também precárias condições de higiene. Demais informações ainda estão sendo esclarecidas e os criminosos serão julgados em breve pelo Departamento de Execução das Leis da Magia.
Ainda que rara, a prática de escravidão ainda existe nos dias de hoje do Mundo Bruxo e não está perto de seu fim. O primeiro semestre desse ano, quando relacionado ao mesmo período do ano passado, indica um aumento de 48% no percentual de vítimas de trabalho forçado e outras formas de servidão no Reino Unido. Os números absolutos, porém, podem ser ainda mais espantosos, pois esse levantamento leva em conta apenas as pessoas que foram resgatadas dessa situação. Tal realidade acomete bruxos de qualquer tipo sanguíneo, gênero e idade, apesar de pesquisas indicarem uma prevalência significante de nascidos-trouxas, se considerada a porcentagem que representam na população total. A inexistência de leis e medidas ministeriais contra a escravidão, como uma listagem de empregadores condenados por esse ato que evita que outras empresas negociem com eles e que recebam créditos de instituições financeiras, é outro empecilho para seu combate.
Visto que o manuseio da magia elimina custos de produção em diversos setores e reduz a necessidade de mão de obra, a escravidão tende a acontecer em circunstâncias mais restritas, como no serviço doméstico e em trabalhos braçais, sendo estes comuns no setor extrativista. Sem a tecnologia trouxa e com a necessidade de um número grande de pessoas para garimpar pedras preciosas ou colher produtos naturais, mágicos ou não, dirigentes recorrem à violência e persuasão para subjugar trabalhadores a essas funções. Um fato que reforça essa conclusão é que flagres desses crimes acontecem com frequência em plantações de flores Moly e de abóbora. Quanto ao serviço doméstico forçado, ele afeta mais mulheres nascidas-trouxas em complicada situação financeira. Por falta de renda e moradia, são submetidas a longas jornadas e a condições inadequadas de estadia no local de trabalho, sendo comuns os casos de violência física e verbal.
Geralmente, a escravidão acontece em vilarejos e cidades menores ou em regiões mais isoladas de centros populacionais mais expressivos, distantes de uma fiscalização mais atuante por parte dos servidores do Ministério da Magia; e está relacionada também a outros crimes, como a caça e o tráfico de criaturas mágicas. Muitas vezes o fruto do trabalho forçado é destinado a transações clandestinas com empresas trouxas, podendo o produto ser exclusivamente dedicado a esse fim. E se engana quem acha que tais proprietários tratam de seus assuntos isoladamente – existem redes de exploração laboral. Elas são integradas para evitar que seus membros sejam descobertos, para detectar bruxos que não se encontram em boas condições de vida e que, consequentemente, seriam facilmente apreendidos e para comercializarem-nos entre si. Em momentos de instabilidades no mundo bruxo, sejam econômicas, políticas ou de segurança (como durante a invasão do Lord Blazer Rowan Chandler), o número de casos de escravidão tende a crescer de forma assustadora.
Mas nem tudo está perdido. O mundo bruxo detém diversos fatores que tornam a escravidão uma prática infrequente. Do ponto de vista social, o alto nível de escolaridade e o baixo nível de pobreza evitam que indivíduos se sujeitem a abusos trabalhistas ou os exerça; assim como a cultura tende a não oprimir liberdades e estimula o respeito aos direitos dos indivíduos. Ademais, os bruxos são bem preparados para o uso da magia, incluindo a autodefesa que ela proporciona. Dessa forma, podem usá-la ao seu favor quando sentirem ameaçados por empregadores depravados. Não se pode deixar de considerar também a eficiente atuação do Ministério da Magia no atendimento de denúncias, na fiscalização de instituições e no combate de atividades ilegais. Nenhum desses elementos citados, entretanto, é capaz de anular o trabalho forçado, apenas de impedir que este atinja um maior número de pessoas.
A escravidão pode e deve ser aniquilada. Muitas crianças estão privadas de sua infância por terem que servir senhorios e alcoviteiros. Jovens são separados de sua família diariamente e têm seu futuro danificado para gerar mais lucros a empresas ilegais. Adultos e idosos são forçados a trabalhar por baixos salários para pagar dívidas que não serão capazes de restituir, podendo elas serem perpetuadas aos seus descendentes. É necessário espalhar os fatos relacionados a essa realidade para que a comunidade se conscientize sobre essa prática e possa agir coletivamente para eliminá-la. Ela rouba a dignidade das vítimas e estabelece traumas muitas vezes irreversíveis, até porque muitas vezes os trabalhadores que foram resgatados não recebem nenhum tipo de apoio e retornam a essa realidade, como pode acontecer com os trabalhadores do bar de Little Hangleton. Precisamos questionar, analisar e expor as coisas que acontecem ao nosso redor, como o motivo de alguma criança estar em algum local de trabalho ou de algum produto estar com um preço tão barato, para que todos os bruxos subordinados à escravidão ou em situação de risco tenham sua liberdade garantida.