Por: Arabella Köhler LeFay Trinta e nove semanas que transitaram em diferentes velocidades: Três meses de enjoo e desespero, acompanh...

Compras e Crescimento


Por: Arabella Köhler LeFay

Trinta e nove semanas que transitaram em diferentes velocidades: Três meses de enjoo e desespero, acompanhados por uma dose dupla de culpa e um humor bastante parecido com um carnaval – pulos aqui, choros acolá, muita serpentina sem sentido e bastante máscara para não explodir –; cinco intercalados entre procurar um substituto para o pai e aceitar que eu acabaria sendo os dois; um de muito choro, palavrão, abraços, carinho, ódio e muita descoberta. O susto de ter gêmeas só foi efetivo um pouco depois. Quando estão na barriga é difícil pensar que precisa amamentar, trocar e dar banho… Mas, acredite, é ainda mais difícil pensar que não vai ser em uma só. Se você já acha a vida adulta barra, tente esperar até ser mãe ou pai. 

São aproximadamente dois anos redescobrindo palavras e testando novas formas de conjugação. A noite não termina quando o sol nasce e o dia também não acaba quando escurece. Relógio passa a ter pouca função, varinha se acostuma com feitiços que você pode ainda nem mesmo começar a imaginar. Acredite, é muito mais demorado do que os dezesseis ou dezoito anos que esperou para tê-los. Os dias se arrastam preguiçosamente, parecendo bastante entretidos em analisar as olheiras fundas que parecem bem satisfeitas em ser a companhia fixa dos olhos de alguém. A lua começa a dormir no serviço enquanto você acorda quando uma chora, já esperando pra ver a outra acordar – um choro leva ao outro, essa é a única regra –. Quando acha que cansou, deseja que tivesse durado mais. Estranho, não é? 

É que depois disso, também, o tempo enaltece. Os tais filhos começam a crescer com incrível rapidez, como se estivessem apostando corrida com alguém. Se pisca um dia, perdeu a primeira palavra escrita. Descanse outra vez e fica em branco a página do primeiro amor platônico ou inimigo mortal. Os melhores amigos mudam constantemente! Os sentimentos deles por você também. Fui a melhor e a pior pessoa do mundo em menos de uma semana. Quando se tem gêmeos isso ainda é mais frequente. O pior é, com certeza, quando começam a querer sair. Tenho duas! Nunca fui de esterótipos machistas, e ainda assim me incomodei. Oras, que raios pessoas com menos de um metro e meio podem querer fazer na rua? Claro, nem se compara ao sentimento de perda antecipada que temos quando A Carta chega. 

Ela muda tudo, saiba desde já. Num dia estão pedindo para visitar alguém, no outro os materiais de Herbologia e DCAT. “Posso ter uma vassoura?”, “Você compraria uma coruja ou gato?”, “Quando vamos ao Beco?”. Tudo vem rápido demais. É preciso ter cuidado para não surtar ou sem querer deixar a desejar nas respostas que dá. Qualquer coisa se torna um assunto muito delicado e pessoal. O trabalho vira um inferno, literalmente falando. A felicidade de vê-las crescer logo é suprimida pela necessidade de tê-las para ti. São minhas, não são?!? Eu é que fiz. Em um mês você se dobra e desdobra, na semana final já não sabe o que fazer. Confesso, levei as duas para a compra de materiais apenas nos dois últimos dias antes de embarcar. É, na verdade, sobre isso que vou contar para vocês.

Acordamos às oito. Isso quer dizer que eu acordei às oito e chamei Ruby e Mikaela antes de ir preparar o café. Mikaela sempre foi mais fácil de acordar. Demora mais pra arrumar por ser organizada com quase tudo, mas, acordar mesmo, não é assim tão complicado. Ainda assim, às nove tomei café sozinha e voltei para checar. Ruby ainda dormia, Mikaela penteava os cabelos talvez pela décima vez. Estava linda. Linda como sempre foi. Infelizmente nunca foi de se satisfazer quando eu insistia no assunto. Não insisti. Acordei Ruby outra vez. Melhor: Tentei. Absolutamente nada além de alguns sons que interpretei como ‘já vai’. Por volta de dez horas tomei um segundo café. Ruby abocanhava alguma coisa enquanto tentava colocar os sapatos e buscar algo no quarto, Mikaela se sentava comigo para comer. Pra ela, sucrilhos. Dessa vez fiquei só com o café preto.

Por volta das onze saímos de casa. Pó de flú nunca foi meu meio preferido, entretanto, funcionou. Chegamos no beco em poucos segundos e precisei correr para não perdê-las na multidão. Pisei no pé de pelo menos duas pessoas, Ruby levou um encontrão e falou alto sem parecer ter qualquer sinal de vergonha. Mikaela pareceu tão envergonhada quanto eu, mas seguimos para a floreios e borrões. Além de todos os livros padrões para o primeiro ano, saímos de lá com um exemplar fictício para cada. Ruby gostava mais de gastar e eu não daria nada para uma só: Despesas em dobro. Isso sem falar na visita ao Olivaras, Madame Malkin e todas as outras lojas. Almoçamos sorvete enquanto eu insistia para as duas que não precisavam de uma vassoura se não podiam levar. Perdi quase quarenta galeões. Umas casquinha de baunilha com calda de caramelo para mim, dois sorvetões com tudo o que cabia para as gêmeas. Tive azia menos de vinte minutos depois. 

Diminuímos o ritmo por isso, acabamos visitando farmácia Mullpeppers. Quando me recuperei entramos no empório das corujas. Perdi mais uma porção de galeões por lá. Mik amava animais. Quando dei por mim o caixa pequeno estava abarrotada com um exemplar de cada bicho, incluindo uma cobra por quem não simpatizei. O sapo parecia a careca de um antigo professor que não citarei o nome, exceto pela cor esverdeada e a aparência gosmenta. Pelo menos também era oval… Só que deixei os dois. O sapo e a cobra, não o sapo e o professor. Infelizmente não tinha aquela opção ali e também já era tarde demais. Me lembrei de quando reprovei por Poções, desejei fortemente enfiar o sapo na boca do dito professor. Precisei ignorar para que as meninas não percebessem e, com a azia curada e um gosto amargo de vingança na boca, sugeri outra volta pela B&B Cream. Dessa vez sumi com sessenta galeões e também ganhei algo bastante enorme. Compramos ração. Compramos potes para ração e água. Precisei de dois potes para o gato de Mika, um potinho e um bebedor para a coruja de Mika, dois potes para o amasso de Ruby e tive muito medo de Mika acabar levando o rato pouco saudável que o vendedor estava doando. Ás vezes tinha a impressão de que minha filha encheria minha casa de animais. 

Falando em casa, voltamos para a nossa no final da tarde. Tive que carregar quase tudo e meus pés doíam como os de alguém que acabara de correr mil milhas com um jumento nas costas. Tomei um banho e, quando voltei, tinham feito o jantar como surpresa de despedida. Jantamos em uma conversação gostosa, etiquetamos os materiais que as listas pediam para ser etiquetados, brincamos com os novos bichinhos e decidimos alguns nomes pouco adultos para eu comentar. Confesso que gostei. Fui dormir com o coração na mão, tentei pensar em um motivo para mantê-las em casa: Nada. Por volta das cinco e trinta aceitei que iria perdê-las para Hogwarts. Desejei fortemente que elas fossem trouxas, me arrependi em poucos segundos, pensando no que seria de mim se elas não fossem exatamente como eram. Dormi ainda querendo poder fazê-las ficar em casa, com a certeza de que não conseguiria. Se você já acha a vida adulta barra, espere até ser mãe ou pai.