Por: Annie Miller Slowli
Depois de um dia recreativo na Pré-escola Mágica Babbity, a Coelha, as criancinhas deixam sua sala de aula colorida ou os brinquedos do parquinho para voltarem para a casa com seus pais. Um pouco adiante, porém, uma dúzia de crianças seguem o caminho contrário e se direcionam a seus respectivos dormitórios. São os recém-chegados do novo Orfanato Babbity, a Coelha, que surgiu diante da necessidade de um local para abrigar as crianças bruxas abandonadas, tanto de Godric's Hollow quanto de todo o oeste da Inglaterra.
O local conta com uma estrutura simples, de apenas quatro cômodos (além da área exterior), mas de decoração relativamente sofisticada. Na sala comum, as crianças ocupam confortáveis poltronas enquanto passam seu tempo lendo ou conversando. No refeitório, além de fazer as refeições, elas desenvolvem trabalhos em grupo e competições, como torneios de xadrez bruxo, jogos de memória e projetos de pintura. O jardim é onde são desenvolvidas atividades físicas ou simplesmente visitado por conta das árvores que o cercam e da diversão proporcionada pelo playground. Os dormitórios são separados em masculino e feminino, assim como os banheiros. Eles contam com pufes no centro, possuem beliches de madeira e a cor predominante é o vermelho.
Os casos que levam os pais bruxos a abandonarem seu filho são diversos, entre eles: baixa condição econômica, desordens psíquicas e inadequada estruturação familiar. Um fator que se destaca é o preconceito da sociedade contra o sangue trouxa, motivando o abandono de crianças mestiças ou abortos (pessoas que têm ao menos um pai bruxo, mas não desenvolvem poderes mágicos). Foi o que aconteceu com a pequena M. F., de 6 anos. Conforme informações recolhidas pelo Orfanato Babbity, a Coelha, sua mãe é bruxa e acabou ficando grávida enquanto mantinha relacionamentos tanto com outro bruxo quanto com um trouxa. Quando a criança nasceu, a mãe descobriu que ela era filha do seu parceiro trouxa e decidiu abandoná-la pela bebê ser mestiça.
Apesar do aconchego do local e preocupação com o desenvolvimento cognitivo das crianças, os motivos que as levaram até o orfanato e a condição de lidar com a ausência de uma figura materna ou paterna afetam de alguma forma seu psicológico. Convidamos o psiquiatra do Byron Chthon para comentar sobre isso: “Não é raro ver vários deles com problemas de baixa autoestima e com um enorme sentimento de desamparo. Na realidade, em algum momento todos eles já se sentiram dessa forma. E essa é a grande importância que tem o orfanato na vida deles. O local não pode ser visto como apenas um 'ponto onde esperam o nôitibus', ou seja, não pode ser visto como apenas um local onde eles esperam para encontrar uma casa e uma família. Não é segredo que muitos dos que estão ali nunca serão adotados. Se eles passarem toda a sua infância e juventude se vendo apenas como um hóspede, sem ninguém para amá-los, para cuidá-los, e não conseguindo enxergar uma figura protetora e que se importa com eles, aí sim é que a possibilidade de termos adultos desajustados aumenta exponencialmente. Alguns terão graves problemas de introspecção, outros poderão ter complicados quadros de depressão (que não raramente levam ao suicídio). Já outros poderão sim se voltarem para as trevas. Nesse ponto vai depender muito da personalidade e de diversos outros fatores que vão acompanhar a vida dessa criança.”
O especialista ressalta, porém, que é precipitado tirar conclusões sobre órfãos baseando-se apenas nessa proposição. Assim como é com qualquer outra pessoa, há outros aspectos que precisam ser avaliados para se determinar o motivo pelo qual a criança órfã demonstra algum tipo de comportamento. “É importante ressaltar que fazer um diagnóstico em cima dessa premissa é algo bastante errado, tendencioso. E até porque não dizer preconceituoso. Resolvi deixar isso claro porque já vi inúmeros colegas de profissão estigmatizando crianças e pacientes com base nisso. O ponto é que ao se analisar a personalidade de uma pessoa, independente do tipo de patologia que ela tenha, o fato de ela ser órfã ou não, será encarado como mais um fator em toda a equação. Esse elemento sozinho não significa absolutamente nada e nem deve ser visto como algo definidor de personalidade e atitudes."
Segundo ele, porém, é inegável dizer que os pais possuem uma enorme importância em nossa vida e em como a influência deles será primordial para o que nos tornaremos. “Existe um conceito, dito pelas pessoas leigas baseado em textos de autoajuda, de que não devemos culpar nossos pais pelo que a gente é, e nem pelas nossas limitações. Entretanto, isso não é bem verdade. Lógico, é importante que você não viva sendo consumido por isso e usando como desculpa para não tentar mudar, mas abstê-los desse papel de enorme influência que possuem sobre a gente não é correto. O motivo para eu falar isso é para que fique consolidado que grande parte do que nos tornamos é sim por influência dos nossos pais. E quando eu falo em pais, quero deixar claro que estou englobando qualquer figura responsável pela nossa criação.”
O ambiente também é um dos fatores que interferem na sua formação psicológica da criança, e Chthon sugere ainda que o ambiente envolve pessoas e a forma como elas agem. A criança que carece de uma família precisa sanar essa ausência de amor e carinho materno/paterno através daqueles que vivenciam no mesmo ambiente que ela – no caso, o orfanato. “Quando eu digo que ser órfão não determinada personalidade e não é estigma para comportamento, é totalmente verdade. O que vai determinar realmente tudo isso, é o ambiente que essa criança ou adolescente será criada. Por isso os orfanatos são tão importantes, principalmente a metodologia deles e seu corpo de funcionários. Ali dentro, por exemplo, o porteiro não pode ser apenas porteiro, mas também alguém com que as crianças possam contar, possam ser inspirar, possam se sentir seguras. A mesma coisa serve para os cozinheiros, para os cuidadores e demais funcionários. Se você consegue empregar essa metodologia no orfanato, e demonstrar que cada uma das crianças que estão ali são importantes e que existem pessoas que se importam com elas. Você consegue criar cidadãos confiantes que conseguem alcançar seus objetivos e serem realizados.”
Entretanto, o contrário pode acontecer. Se a criança não desenvolver vínculos afetivos, não for estimulada a acreditar e desenvolver os seus talentos e for tratada apenas como “mais uma”, ou seja, continuar abandonada de certo modo, as consequências sobre seu psicológico e saúde mental serão prejudiciais. O psiquiatra diz que teremos um grave problema em como essas crianças irão se desenvolver caso o orfanato siga apenas o conceito antigo de “entulhar” pessoas e criá-las de maneira precária até que eles encontrem uma família. “Como um exemplo famoso, podemos citar Tom Riddle. Ele claramente demonstrava possuir ausência de sentimentos, algo com que ele nasceu, que ele não pôde escolher ser diferente. Mas o que criou as suas motivações, o desejo pelo poder e pela vida eterna, não foi essa ausência de sentimentos que ele possuía. Foram o ambiente e as pessoas que o rodearam. Não há dúvida que se ele tivesse encontrado figuras protetoras e que se importavam com ele, a história seria diferente. Ele poderia continuar a não sentir nada, mas talvez suas motivações mudariam. Podemos inclusive citar o próprio Harry Potter. Ele viveu num ambiente caótico até os onze anos. O que o libertou de verdade, foi encontrar figuras que o ampararam, que o deram amor, como por como, por exemplo, seus amigos, os Weasley, seu padrinho e até de certa maneira o próprio Dumbledore, que teve um papel de mentor.”
Conclui-se que a forma como as crianças órfãs são tratadas por aqueles ao seu redor, o convívio com as demais que se encontram na mesma situação e o suprimento de afeto são alguns aspectos que influenciam o comportamento e a personalidade delas, e não é possível padronizá-los. O que é fato é que elas precisam de cuidados, proteção, compreensão e de viver sob condições dignas e propícias a manifestar suas aptidões, imunes a qualquer forma de negligência e exploração. O orfanato é um estabelecimento capaz de providenciar tais assistências provisoriamente, mas é através do processo de adoção que a criança resgata o seu direito ao convívio familiar de forma definitiva, concretizando uma atitude humanitária e de comprometimento com o próximo.