Os contos
de Beedle, o Bardo, representam uma coletânea de histórias populares para
jovens bruxos e bruxas. As histórias de Beedle associam-se aos contos de fada,
querendo passar alguma lição de moral conforme a eminência do final feliz. No
entanto a versão mais conhecida destes contos é a adaptação de Beedle para
crianças, que traz consigo a felicidade da personagem como forma de recompensa
pelos bons atos cometidos. Esta nova coletânea de histórias vai mostrá-los a
versão real, e assustadora, das histórias de Beedle.
O
bruxo e o caldeirão saltitante
Como toda
boa história, esta não poderia começar de maneira diferente.
Há muito e
muitos anos, existiu um velho bruxo bondoso. Nossa personagem residia na
companhia de trouxas, ganhando-os por favores, o que logo o tornou amado. A
magia praticada ali não podia ser dita de maneira expressa para os outros, que
logo recriminariam tamanha abominação, portanto o velho afirmava possuir um
caldeirão mágico, conhecido como panelinha da sorte. Curava males e pestes,
agraciando não somente a população local, e sim também a todo um contingente de
forasteiros.
O bruxo
morreu de velhice, tendo tido uma longa e prazerosa vida. Para trás deixou o
seu filho, que nada tinha de semelhante a si em sua personalidade. Este, ao
vasculhar os pertences do pai, deparou-se com a dita cuja panelinha da sorte,
na qual encontrou um embrulho com o seu nome. A expectativa o tomou, levando-o
a imaginar presentes grandiosos, no entanto deparou-se com uma pantufa grossa e
macia, pequena e sem par. O bilhete ali atrelado dizia: “Amo-te filho, portanto
espero que nunca tenhas de usá-la”. Decepcionado, o filho atirou a pantufa
dentro do caldeirão, amaldiçoando assim a caduquice de seu falecido pai.
Naquela
mesma noite, eis que batem à sua porta.
-
Meu senhor, minha neta padece de verrugas. O seu pai tinha por costume
ajudar-nos... – A camponesa suplicou.
-
O quê tenho eu a ver com meu pai?! – Exclamou o filho, furioso – Trate de sumir
daqui o quanto antes! – Disse e deu-lhe as costas.
Assim
que voltou para dentro de casa, escutou ruídos vindos da cozinha. Lá o velho
caldeirão de seu pai tinha obtido um pé de latão, que antes não era visto ali.
O caldeirão pulava no meio da cozinha, seu barulho tão insuportável que feria
os ouvidos. Ao se aproximar, o bruxo percebeu a presença de verrugas na
superfície antes lisa do caldeirão. Assustado, tratou de tentar livrar-se da
aberração, no entanto feitiço algum surtia efeito.
-
Mas que objeto repugnante! – Bradou a plenos pulmões, retirando-se até o seu
quarto. O caldeirão seguiu-o, emitindo batidas surdas e estridentes.
O
bruxo não conseguiu livrar-se do caldeirão. Teve poucas horas de sono, vencido
pelo barulho insuportável. Ao acordar, descobriu-se que aquilo não se tratava
de um pesadelo. Não havia maneira de dar um fim àquele incômodo? O filho desceu
as escadas com passos pesados. Mal tinha levado a primeira colherada de mingau
até a boca quando a porta bateu.
-
Minha velha jumenta perdeu-se ou foi roubada, senhor. – O velho disse – Caso
não a encontre, passarei fome!
-
Fome tenho eu! – Novamente a visão das costas do bruxo findaram tal diálogo.
Naquele
mesmo instante, ao retornar até a mesa e sentar-se, foi possível escutar algo
novo. O caldeirão emitia zurros, além de gemidos humanos a pedir por comida.
Este acréscimo sinfônico deixou o bruxo ainda mais irritado, a ponto de passar
a corda pelo pescoço. Não importava o que fizesse, nada parecia ser o
suficiente para calar e/ou forçar o caldeirão a parar de segui-lo; sempre
acompanhado de sua melodia característica.
À
noite, procuraram-no outra vez.
-
Meu filho está gravemente doente e o seu pai...
A
porta bateu. Dessa vez não houve diálogo, tamanha era a ira do condenado. O
caldeirão começou a se debulhar em lágrimas. Além das batidas surdas e
estridentes, o choro, zurro e gemido tinham se juntado a orquestra definitivamente.
Depois daquela noite, ninguém tornou a procurar o bruxo, no entanto os sintomas
do caldeirão persistiam, aumentando em intensidade e número conforme o passar
dos dias. Havia vômito no carpete, queijo estragado e leite azedo. E paz? Era a
única coisa inexistente. Como não conseguia dormir ou comer, o bruxo decidiu
resolver a situação. Com o caldeirão a segui-lo, saiu para as ruas do vilarejo.
-
Tragam-me os seus problemas! Posso ajudá-los, tal como o meu pai fazia. Venham
todos! – Bradava a plenos pulmões o anúncio.
Ninguém
apareceu. A cada rua percorrida, o bruxo olhava ao seu redor e sentia a loucura
lhe subir a cabeça. Bateu na porta de seus vizinhos, jorrando-lhes benções e
prometendo trazer a saúde de volta as suas casas, no entanto pessoa alguma
apareceu. A caminhada tortuosa durou horas. Seus pés tinham calos, a presença
do caldeirão impossível de conter o havia deixado com o olhar de um louco. No
nascer do dia seguinte, o bruxo ainda vagava, longe do vilarejo de onde havia
partido. As pessoas do vilarejo comentaram tê-lo visto comer os próprios dedos,
outras diziam que o espírito do pai havia amaldiçoado a panelinha mágica para
castigá-lo por sua insolência. E os viajantes afirmavam ouvir gemidos na noite,
recheados pelo choro de criança e o cheiro fétido de comida estragada. O seu
rosto jamais foi visto.